Aurora – Enviado por Luis Serpa

Há palavras que se impõem com a urgência da vida. Palavras cujas águas rebentaram, que precisam de ser paridas, que precisam de respirar. Oxigénio.

Conheci uma mulher extraordinária. Tem 66 anos e chegou ontem a Cascais, depois de atravessar o oceano Atlântico sozinha num barco à vela. Para algumas pessoas o Atlântico é um lugar que vem nos mapas, um barco à vela um adorno literário e a solidão uma abstracção a que julgam pertencer nos momentos de maior desânimo ou estupidez. Aurora tem 66 anos e atravessou o Atlântico sozinha num veleiro: não sei o que isso significa.

Aurora sorri e no seu rosto o sorriso é a única coisa que não está cansada. É tão forte. Fala de coração cheio – e livre, de tão cheio – do que lhe está a acontecer. Das pessoas que conheceu e das que a seguem na Argentina: tem um clube de fãs donas-de-casa atrás do seu rasto no satélite e uma página no Facebook que não foi ela que criou. Os principais jornais do seu país escrevem artigos sobre ela, acompanham-na. Fala de si e do que lhe ensinou a solidão – ensina-nos, sem saber, que um mundo tão grande é pequeno para vontades enormes, que as grandes vontades são enormes para um mundo tão pequeno; que algumas vontades pequenas devem elevar-se; e que a ausência de vontade deve ausentar-se.

Aurora fala do amor – está apaixonada – com a sabedoria infinita de quem se deixa surpreender e já conhece a surpresa de trás para a frente. Como se o tivesse inventado e ainda estivesse embasbacada com a sua própria criação – como quando cozinhamos uma receita que nos sai mesmo bem, Aurora cozinhou o amor. O amor cru como a sua travessia e apurado como as tempestades e as bonanças. Como respirar – porque respirar é sempre bom, sempre sinal de vida. Aurora não tem idade e respira. Por respirar, o mundo é um lugar melhor, mais respirável. Oxigénio, isto é, Aurora.

Posted by Filigraana

Este mensaje es el resultado de una comunicación de Aurora  vía teléfono satelital,  fue posible gracias al auspicio de la empresa Tesacom
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